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O fim dos atalhos: por que a Reforma Tributária vai separar estratégia de esperteza

A Reforma Tributária vai sepultar boa parte das “engenharias” que ainda se vendem como planejamento tributário. O novo sistema de tributação sobre o consumo desloca completamente o eixo da arrecadação. O que antes dependia do local da empresa, do regime escolhido ou de benefícios estaduais, agora será definido pelo destino da operação.

Durante décadas, a criatividade fiscal brasileira se apoiou em três artifícios recorrentes: fragmentar negócios em várias empresas do Simples Nacional, transferir operações para estados com incentivos fiscais e manipular o valor declarado nas notas para reduzir tributos. Todos esses mecanismos estão prestes a perder efeito diante da nova estrutura do IBS e da CBS.

As divisões artificiais de empresas no Simples Nacional não resistirão ao cruzamento automatizado de dados. O fisco passará a integrar informações de faturamento, vínculo societário e beneficiário final em tempo real. A unificação das notas fiscais e o padrão nacional de créditos tornarão rastreável qualquer tentativa de fracionamento.

Os incentivos regionais também tendem a desaparecer. A Lei Complementar 214 de 2025 consolidou o princípio da tributação no destino. Manter sede em um estado “amigável” não produzirá qualquer vantagem se o consumidor final estiver em outro. A antiga guerra fiscal entre os entes federativos chega ao fim.

E a prática de “meia nota”, que ainda sobrevive em alguns segmentos, será atingida por dois flancos: a responsabilidade solidária e o split payment. As plataformas de marketplace, transportadoras e intermediadores passam a responder junto pelo tributo não recolhido, o que já reduz o espaço para operações simuladas. Mas o golpe definitivo virá com o pagamento fracionado: o split payment permitirá que a parcela do tributo seja automaticamente separada e direcionada ao fisco no momento da transação. Em outras palavras, o tributo deixará de depender da boa-fé do contribuinte. O recolhimento será feito na origem do pagamento, tornando inviável qualquer tentativa de subfaturamento ou ocultação da receita. Se houver simulação na cadeia, alguém pagará a conta e com juros.

O novo cenário é de fiscalização digital, cruzada e imediata. Quem insistir em brechas verá o planejamento tributário se transformar em passivo. A verdadeira inteligência fiscal, daqui em diante, estará em redesenhar a operação: revisar fornecedores, ajustar contratos, reavaliar margens, formalizar créditos não aproveitados até 2026 e consolidar uma governança tributária transparente e sustentável.

A Reforma Tributária não acabou com o planejamento tributário. Apenas separou o que é estratégia legítima do que sempre foi improviso disfarçado de solução.

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